Por Mylena Melo no portal O JOIO E O TRIGO
Campanha solidária do MST já doou 2.300 toneladas de alimentos desde o começo da pandemia; ações projetam saídas para a crise
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem feito, desde o início da pandemia, uma das campanhas solidárias mais amplas no país.
Tudo começou em março, quando em alguns locais, os próprios assentamentos ou áreas de acampamento tomaram a iniciativa de fazer as primeiras doações. Em pouco tempo, a atitude inspirou outras regiões a seguir o exemplo.
“Nos anos 80 e 90, a fome era muito mais cruel, então, a gente historicamente também foi muito agraciado com práticas de solidariedade. Isso também está muito presente no sangue, no sentimento, na sensibilidade de todas as famílias que estão em áreas de assentamento e acampamento. Agora, a partilha também relembra esse tempo histórico, de quando a sociedade nos apoiou, repartiu o pão e nos ajudou”, diz Roberto Baggio, da direção nacional do MST.
Ação solidária no Paraná, estado que se destaca na quantidade de alimentos doados/Foto: Breno Thomé Ortega
Abril é um mês tradicionalmente marcado por diversas ações do MST, como forma de manter viva a memória e luta dos trabalhadores rurais mortos pela Polícia Militar no massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996.
A data se transformou no Dia Internacional da Luta Camponesa. Neste ano, com a pandemia e a motivação das doações que já ocorriam em alguns estados, o movimento decidiu substituir as ocupações e manifestações, que normalmente marcam a data, por ações solidárias espalhadas pelo Brasil.
Foi aí que a campanha se nacionalizou, de fato.
No Rio Grande do Sul, onde o movimento é responsável pela maior produção de arroz orgânico da América Latina, foram doados kits com arroz, feijão, farinha, massa, azeite e detergente.
Na Bahia, foram aproximadamente duzentas toneladas de alimentos, com mais de quarenta variedades de frutas, raízes, grãos, verduras e legumes, além de leite, queijo e polpa de frutas.
No Ceará, 15 toneladas, incluindo milho verde, feijão, abóbora, melancia, mamão, pepino, banana, tomate, farinha e cinco mil litros de leite. Só em abril, as doações chegaram a 500 toneladas de alimentos.
No mês seguinte, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, trezentas cestas contendo abóbora, batata-doce, repolho, mandioca, ovos, hortaliças, carnes e queijo foram distribuídas às comunidades indígenas Guarani Kaiowá, além de seiscentas mudas de árvores.
Em junho, quando as doações em âmbito nacional já chegavam a 1.500 toneladas, quatro mil famílias do Paraná receberam kits com arroz, feijão, pinhão, erva-mate, fubá, farinha de milho, batata-doce, mandioca, moranga, abóbora, derivados do leite, hortaliças, batata, limão, laranja, banana e sabão caseiro. Agora, já existem ações do movimento em todo o território nacional. Já foram doadas 2.300 toneladas de alimentos.
A maior parte in natura. Segundo Roberto Baggio, as ações envolvem todas as famílias do movimento. “Todos se sentem mexidos, mobilizados e participam do processo”. Ele explica que para fazer as doações existe uma articulação com entidades da cena urbana (igrejas, associações, ONG’S e lideranças comunitárias), que fazem o levantamento das famílias mais vulneráveis, estabelecem critérios de distribuição e quantidades. “Vira um diálogo solidário, de troca, de repartir o pão. E, ao mesmo tempo, de compartilhamento de informação, de cooperação para busca de novos direitos. Tem esse componente organizativo e político, justamente porque no encontro do alimento tu encontra as duas partes. O trabalho humano das famílias sem terras, que sofreram, que lutaram, conseguiram a terra e são hoje trabalhadores rurais. A outra parte são trabalhadores urbanos que, com a crise econômica, social e com a pandemia, também estão em situação frágil”.
Baggio avalia que o alimento é um elo de uma relação entre os trabalhadores. E que somente essa força nos possibilitará sair da crise.
“A gente está vendo que, infelizmente, do Estado brasileiro, a gente não pode esperar nada. E do nosso empresariado, também, nada. O que nos salvará é justamente um cuidar do outro”, diz.
Para a professora de nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro, participante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e da Articulação Nacional de Agroecologia, Vanessa Schottz, essa rede de solidariedade que se forma entre os trabalhadores do campo e da cidade, principalmente os da periferia, é muito importante.
“Essa rede fortalece a discussão de que o direito à alimentação tem essas duas dimensões: o direito de estar livre da fome e o direito a uma alimentação que seja adequada e saudável. E, aí, abre um espaço para o debate sobre a importância da agroecologia como projeto de sociedade”, observa Vanessa.
A coordenadora nacional do MST, Kelli Mafort, lembra que alimentação saudável não é só alimentação sem agrotóxicos.
” Isso é super importante, mas, além disso, é comida de verdade”, ressalta.
Toneladas solidárias
É no Paraná, estado onde o MST foi fundado há quase 40 anos, que hoje o movimento consegue distribuir a maior quantidade de alimentos in natura.
“É muito visível que a fome já chegou nos rincões dos pequenos municípios aqui no Paraná. O pessoal começou a perceber que a fome estava perto”, conta Roberto Baggio. (CLIQUE AQUI PARA LER A MATÉRIA COMPLETA)