Por Conceição Lemes no site VIOMUNDO
Na quinta-feira passada, 07/05, a revista britânica The Lancet, uma das publicações científicas mais prestigiadas do mundo, publicou um editorial sobre o enfrentamento do novo coranavírus no Brasil.
Ele é contundente. Sem meias palavras. Com o título Covid-19 no Brasil: “E daí?”, o editorial (na íntegra, mais abaixo) diz com todas as letras que
“talvez a maior ameaça à resposta do covid-19 do país seja seu presidente, Jair Bolsonaro”.
“Ele [Bolsonaro] não apenas continua a semear confusão, desrespeitando e desencorajando abertamente as medidas sensatas de distanciamento físico e lockdowns propostos por governadores e prefeitos, mas também perdeu dois ministros importantes e influentes nas últimas três semanas”.
O editorial continua:
“Essa desordem no coração do governo é uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública.
Também é um forte sinal de que o líder do Brasil perdeu sua bússola moral, se é que alguma vez a teve”.
E conclui:
“O Brasil como país deve se unir para dar uma resposta clara ao “E daí?” do seu Presidente.
Bolsonaro precisa mudar drasticamente o curso da pandemia ou ele deve ser o próximo a sair”.
The Lancet fugiu do tom geralmente seco das publicações científicas.
É um editorial político.
“É muito raro isso. Foi na veia. Dá mostra da gravidade da nossa situação”, observa o médico sanitarista e professor Arthur Chioro, que foi ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff.
No dia seguinte, 08/05, novo estudo do Imperial College de Londres reafirma o aumento exponencial da pandemia pelo novo coronavírus no Brasil.
“O editorial da The Lancet e o estudo do Imperial College convergem para a mesma conclusão.
A tragédia anunciada está se concretizando”, atenta Chioro. “Viramos o novo epicentro da covid-19”.
Bolsonaro conseguiu a “proeza”
COVID-19 NO BRASIL: “E, DAÍ?”
The Lancet
A pandemia pela doença do coronavírus 2019 (covid-19) chegou à América Latina depois de já ter atingido os outros continentes.
O primeiro caso registrado no Brasil foi em 25 de fevereiro de 2020.
Mas, agora, o Brasil tem o maior número de infecções e mortes na América Latina (105. 222 infecções e 7.288 mortes, em 4 de maio), que provavelmente estão bastante subestimadas.
Ainda mais preocupantes, a taxa de mortes dobra a cada 5 dias e um estudo recente do Imperial College (Londres, Reino Unido), que analisou a taxa de transmissão ativa do covid-19 em 48 países, mostrou que o Brasil é o país com maior taxa de transmissão.
Grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro são os principais epicentros agora, mas há preocupações e indícios de que as infecções estão se movendo para cidades menores do interior, com provisões inadequadas de leitos e ventiladores para terapia intensiva.
No entanto, talvez a maior ameaça à resposta do covid-19 do país seja seu presidente, Jair Bolsonaro.
Quando perguntado por jornalistas na semana passada sobre o número cada vez maior de casos de covid-19, ele respondeu: “E daí? O que você quer que eu faça?”
Ele não apenas continua a semear confusão, desrespeitando e desencorajando abertamente as medidas sensatas de distanciamento físico e lockdowns propostos por governadores e prefeitos, mas também perdeu dois ministros importantes e influentes nas últimas três semanas.
Primeiro, em 16 de abril, Luiz Henrique Mandetta, o respeitado e querido ministro da Saúde.
Ele foi demitido após uma entrevista na televisão, na qual criticou fortemente as ações de Bolsonaro e pediu unidade de discurso, sob pena de deixar os 210 milhões de brasileiros totalmente confusos.
Em 24 de abril, após a remoção do chefe da Polícia Federal, o ministro da Justiça, Sergio Moro, uma das figuras mais poderosas do governo de direita e nomeado por Bolsonaro para combater a corrupção, anunciou sua renúncia.
Essa desordem no coração do governo é uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública.
Também é um forte sinal de que o líder do Brasil perdeu sua bússola moral, se é que alguma vez a teve.
Mesmo sem o vácuo de ações políticas em nível federal, o Brasil teria dificuldade em combater o covid-19.
Cerca de 13 milhões de brasileiros vivem em favelas, geralmente com mais de três pessoas por quarto e pouco acesso a água limpa.
Recomendações de distanciamento físico e higiene são quase impossíveis de seguir nesses ambientes – muitas favelas se organizaram para implementar as medidas da melhor maneira possível.
O Brasil possui um grande setor informal de emprego, com muitas fontes de renda que não são mais uma opção.
A população indígena estava sob séria ameaça mesmo antes do surto de covid-19, porque o governo ignorou ou até incentivou a mineração e extração ilegal de madeira na floresta amazônica.
Esses madeireiros e mineradores agora correm o risco de levar novas doenças para populações remotas.
Uma carta aberta, em 3 de maio, por uma coalizão global de artistas, celebridades, cientistas e intelectuais, organizada pelo fotojornalista brasileiro Sebastião Salgado, alerta para um genocídio iminente.
O que a comunidade de saúde e ciência e a sociedade civil estão fazendo em um país conhecido por seu ativismo e oposição franca à injustiça e à desigualdade e à saúde como um direito constitucional?
Muitas organizações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências e a Abrasco, há muito se opõem a Bolsonaro por causa de severos cortes no orçamento da ciência e uma demolição generalizada da previdência social e dos serviços públicos.
No contexto da covid-19, muitas organizações lançaram manifestos voltados para o público – como o Pacto pela Vida e o Brasil – e escreveram mensagens a funcionários do governo pedindo unidade e soluções conjuntas.
Panelaços nas varandas como protesto durante as falas presidenciais acontecem com frequência.
Há muita pesquisa em andamento, da ciência básica à epidemiologia, e há uma produção rápida de equipamentos de proteção individual, respiradores e kits de teste.
Essas são ações esperançosas.
Também é crucial uma liderança no cargo mais alto do governo para evitar rapidamente o pior resultado dessa pandemia, como é evidente em outros países.
Em nossa série de artigos sobre saúde no Brasil – em 2009, os autores concluíram:
“O desafio é, em última análise, político, exigindo o envolvimento contínuo da sociedade brasileira como um todo para garantir o direito à saúde de todos os brasileiros”.
O Brasil como país deve se unir para dar uma resposta clara ao “E daí?” do seu Presidente.
Bolsonaro precisa mudar drasticamente o curso da pandemia ou ele deve ser o próximo a sair.
O seu “Brasil acima de tudo” é vergonha planetária.