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13.9.20

PRIVATIZAÇÃO | As águas do Brasil na mão do cassino financeiro

 

Bancos sem nenhuma experiência em Saneamento preparam-se para assumir controle dos serviços, em operações obscuras e de rapina. Acesso dos mais pobres fica ainda mais distante. Tarifas subirão. Mananciais ameaçados 


A imagem do Brasil no mundo mudou desde a ascensão da extrema direita no país. Aqueles que acompanham a agenda climática devem lembrar que, em outros tempos, o Brasil foi um ator importante nas negociações do Acordo de Paris e na defesa de que outros países estabelecessem metas para a redução de emissão de gases do efeito estufa. 

A recusa do governo de Jair Bolsonaro a sediar a 25º edição da Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP25), somada à participação vergonhosa da comitiva governamental no evento e aos incêndios na Amazônia em 2019 são exemplos que caracterizam nossa imagem atual. 

As consequências ambientais da ascensão da extrema direita no país serão enormes e, por isso, precisam ser conhecidas não só pelos brasileiros, mas por todas as nacionalidades que têm compromisso com a democracia e com as mudanças climáticas. 

Este artigo apresentará um panorama do avanço das grandes corporações sobre as águas brasileiras, em especial sobre o serviço de saneamento público, com objetivo de mostrar que o governo de Jair Bolsonaro está aplicando a agenda neoliberal e vendendo as águas brasileiras para corporações internacionais, enquanto 33 milhões de pessoas ainda não têm acesso abastecimento de água – o que corresponde a 16,4% da população – e mais de 100 mil morreram de Covid-19 até o momento. 

Brasil das águas 

Não é por acaso que o Brasil está na mira do mercado das águas. O país possui 13% de toda água doce superficial do mundo, além de grandes aqüíferos como o Guaraní e o Alter do Chão. Segundo dados recentes da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a cada 100 litros de água tratada produzidos no Brasil, 72 litros vão para o setor do agronegócio e para pecuária. 

Ou seja, cerca de 70% do abastecimento é consumido pela produção de soja, milho, cana de açúcar e criação de gado, que se destinam, em sua maior parte, à exportação. Longe de semear saúde, os milhões de metros cúbicos de água drenados por estes setores têm gerado fome nas cidades e mortes no campo. 

Na sequência dos indicadores estão os setores da indústria e mineração que, juntos, são responsáveis por 12% do consumo de água, enquanto a população é responsável por apenas 4% do volume total. De acordo com o Relatório de Conflitos no Campo1 de 2016, produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2017), houve um aumento de 26% dos conflitos envolvendo água entre 2015 e 2016, passando de 135 para 172 casos. 

Já segundo o Relatório de 2018 (CPT, 2019), o número de conflitos por água aumentou 40% em relação a 2017 e bateu o recorde da série histórica, iniciada em 2002: foram registrados 276 conflitos envolvendo mais de 73 mil famílias. 

Nos últimos anos, pelo menos dois grandes crimes ambientais contaminaram parte das águas doces brasileiras. Em 5 de novembro de 2015, uma barragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco Mineração S.A.2 rompeu-se na cidade de Mariana (MG), causando 19 mortes e contaminando toda Bacia do Rio Doce, além de ter destruído o distrito de Bento Rodrigues. Passados pouco mais de três anos, em 25 de janeiro de 2019, outra barragem da Vale S.A. rompeu-se em Brumadinho (MG), deixando 270 vítimas entre mortos e desaparecidos. Neste caso, o rio mais afetado foi o Paraopebas, que corta 35 cidades e deságua na Represa de Três Marias. 

Por trás de ambos os crimes ambientais está o modelo de acumulação capitalista que, historicamente, se constituiu a partir da divisão entre centro e periferia e estabelece a colonização do Sul Global pelo Norte. 

A mercantilização da água no governo Bolsonaro 

O Brasil está muito longe da universalização do abastecimento de água. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento, apenas 83,6% dos brasileiros têm acesso ao abastecimento de água, 53,2 % ao serviço de coleta de esgoto e 46,3% ao tratamento destes dejetos. 

O governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e a ala ultraliberal que o acompanha vendem a idéia de que a universalização destes serviços será alcançada pela iniciativa privada. Considerando a experiência mundial, que mostra que em nenhuma parte do mundo isso foi possível sem o investimento do Estado, essa possibilidade não parece provável… 

A tendência de mercantilização da água e do saneamento no Brasil já estava posta pelo 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília em março de 2018. Desde 1997, esse fórum constituiu-se como espaço de encontro de corporações empresariais que, por meio de lobby, direcionam as tomadas de decisão dos governos e influenciam a opinião pública com uma visão privatista dos recursos hídricos

No caso brasileiro, as fontes de financiamento deste 8º Fórum expõem a relação promíscua entre o Estado e as corporações, típica do neoliberalismo. Vale notar que 40% dos custos do evento foram subsidiados pela Agência Nacional das Águas (ANA), 40% pela Organização das nações Unidas (ONU) e 20% pelas próprias corporações empresariais (Nestlé, Coca-Cola, AmBev, GDF Suez S.A.). 

Na época, membros da sociedade civil brasileira e internacional organizaram-se no Fórum Alternativo Mundial das Águas (FAMA) para denunciar o ataque ao direito à água e ao saneamento que o 8º Fórum representava. Cerca de 7 mil pessoas fizeram uma linda marcha cujo mote foi “Água é Direito e Não Mercadoria”. 

A eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018 e o total descompromisso de seu governo com a crise climática e com a preservação ambiental já não são novidades. Uma reforma ministerial feita no início do seu mandato desconstruiu todo aparato institucional de governança ambiental, promoveu o enfraquecimento de órgãos de controle dos crimes ambientais e incêndios, o desmonte dos programas voltados para os povos indígenas e comunidades tradicionais, e o corte de orçamento das ações voltadas para o enfrentamento às mudanças climáticas.

Talvez o aumento do desmatamento da Amazônia e do Cerrado seja o exemplo mais dramático do que representa este governo. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Amazônia teve um desmatamento 34% maior entre agosto de 2018 e julho de 2019. A área desmatada foi superior a 10 mil km², a pior taxa desde 2008. 

O bioma do Cerrado, berço das águas do continente latino-americano, possui a menor porcentagem de áreas sob proteção integral – apenas 11%, comparados com os quase 50% da Amazônia. O desmatamento nessas áreas protegidas aumentou 15% em 2019. De agosto de 2018 a julho de 2019, foram desmatados 517 quilômetros quadrados de mata protegida. 

Outro exemplo que causa preocupação é o posicionamento do governo Bolsonaro em relação ao Acordo de Livre Comercio Mercosul – União Europeia, fechado em julho de 2019, mas ainda pendente de assinatura pelos países membros3. 

O governo Bolsonaro não demonstra qualquer preocupação com a soberania nacional e com o desenvolvimento sustentável, já que tenta levar o acordo adiante, desconsiderando que ele recolocará o país no lugar de colônia exportadora de matérias primas – principalmente minério de ferro, soja, cana de açúcar e carne bovina, e importador de bens manufaturados de todo tipo, dos quais destacamos os agrotóxicos produzidos por empresas alemãs como Basf e Bayer, que, apesar de terem a venda proibida na Europa, são comercializados no Brasil. 

Caso o Acordo seja assinado, o Brasil aumentará suas emissões de gases do efeito estufa – seja em decorrência do aumento das áreas de cultivo do agronegócio sobre a Amazônia, seja pelo aumento da extração mineral. Em relação à água haverá aumento do volume extraído pelo agronegócio e crescimento da contaminação por agrotóxicos.  (CLIQUE AQUI PARA LER A MATÉRIA COMPLETA)